Voz de prisão pode ser dada por qualquer cidadão, incluindo militares, contra crimes cometidos em flagrante; tentativa de apresentar minuta do golpe de Jair Bolsonaro ao general provocou a reação, segundo ex-comandante da Aeronáutica
Bolsonaro apresentou hipóteses de GLO, Estado de Defesa e de
sítio, diz ex-comandante do ExércitoFoto: Reprodução/Reuters
Ex-comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar
Carlos Almeida Baptista Júnior relatou em depoimento à Polícia Federal (PF) que
o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-chefe do Exército, falou em prender
Jair Bolsonaro (PL) caso o então presidente tentasse um golpe de Estado.
Segundo o artigo 301 do Código Penal brasileiro, a voz de
prisão poderia ter sido dada pelo militar, uma vez que há a previsão legal de
que qualquer cidadão - incluindo militares - tem o poder de anunciar a prisão
de uma pessoa que cometa flagrante delito.
Segundo afirmou Baptista Júnior em depoimento, a declaração
ameaçando a prisão foi feita no encontro convocado pelo general Paulo Sérgio de
Oliveira, então ministro da Defesa, que ocorreu em 14 de dezembro de 2022. Na
reunião, em seu gabinete, quando a hipótese do golpe de Estado - por meio de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estado de defesa ou estado de sítio - foi
aventada, Freire Gomes afirmou que "caso tentasse tal ato teria que
prender o Presidente da República".
Na época, Bolsonaro já tinha perdido a eleição para o atual
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas permanecia no cargo, uma vez que
a posse presidencial ocorre no dia 1º de janeiro seguinte ao pleito.
A Constituição Federal prevê a responsabilização do
presidente tanto em crimes de responsabilidade quanto em crimes comuns. Como a
suposta ameaça de golpe de Estado dada por Bolsonaro não entra na categoria de
infrações político-administrativas, mas sim em crime contra o Estado de
Direito, cometido em flagrante, ela não esbarraria no artigo 86, que versa
sobre como os julgamentos de um presidente devem ocorrer.
Nos casos de crimes de responsabilidade, é o Senado Federal
que julga a denúncia, enquanto infrações penais comuns eventualmente cometidas
pelo chefe do Executivo devem ser submetidas ao julgamento do Supremo Tribunal
Federal (STF). Porém, enquanto não houver sentença condenatória nas infrações
comuns sem flagrante, o presidente não poderá ser preso.
Miguel Reale Júnior, ex-professor titular de direito penal
da Universidade de São Paulo (USP) e ministro da Justiça no governo Fernando
Henrique Cardoso, explica que a voz de prisão, por se tratar de flagrante,
poderia ter sido dada pelo general. "Qualquer ato como editar o estado de
defesa seria tentativa de golpe e poderia o presidente ser preso por crime
contra o Estado de Direito", explicou.
Para o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida
Castro, conhecido como Kakay, não há dúvida de que o que fez o comandante foi o
correto, ao comunicar que se a trama golpista continuasse, a voz de prisão
seria dada, sob pena de prevaricação. "A dificuldade prática de dar uma
voz de prisão no presidente da República é enorme, você tem que cumprir essa
voz de prisão. Evidentemente, Bolsonaro ia dizer que não aceitava prisão e ia
chamar oficiais fiéis a ele. A dificuldade prática é absolutamente
gigantesca", observou o advogado.
Procurado pelo Estadão para comentar sobre o caso, Jair
Bolsonaro não respondeu.
Na manhã desta sexta-feira, 15, o ministro do STF Alexandre
de Moraes retirou o sigilo do depoimento de 27 investigados na Operação Tempus
Veritatis, por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de
Direito após as eleições de 2022. Mais da metade dos suspeitos, 14 deles,
preferiu ficar em silêncio. Estão incluídos os registros dos depoimentos à PF
de Bolsonaro e de ex-ministros, como Anderson Torres e os generais Augusto Heleno
e Walter Braga Netto.
Conforme o depoimento prestado por Baptista Júnior à PF, no
bojo das investigações que apuram uma suposta tentativa de golpe de Estado
tramada pela cúpula do governo Jair Bolsonaro, o então ministro da Defesa teria
declarado a intenção de apresentar a minuta golpista, para "conhecimento e
revisão". Nesse momento, Baptista disse ter questionado: "Esse
documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?".
Oliveira se calou e, em seguida, o brigadeiro disse que não admitira receber o
papel.
Baptista Júnior e Freire Gomes contaram aos investigadores
que se colocaram contra a investida antidemocrática de Bolsonaro. Já o
almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, mais alinhado ao
ex-presidente, colocou tropas à disposição do ex-chefe do Executivo. Em seu
depoimento à PF, o almirante escolheu ficar em silêncio. Veja a íntegra da
minuta de golpe que Bolsonaro apresentou às Forças Armadas, segundo
ex-comandante.
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Fonte: Terra
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